Zé Carioca, personagem simbolizando a malandragem brasileira
O Brasil é o país do “jeitinho.” Somos
famosos mundialmente por “dar um jeitinho para tudo” e pela nossa
malandragem. O potencial brasileiro para a improvisação e para a
criatividade, características centrais do jeitinho, é ao mesmo tempo
algo que podemos sentir orgulho e vergonha, pois ao mesmo tempo que o
jeitinho se refere a uma habilidade refinada para a resolução criativa
de problemas, também se refere à nossa capacidade engenhosa de agir
corruptamente para obter benefícios pessoais de maneira criativa.
Nas sociedades chinesas, é comum se observar um construto cultural semelhante ao jeitinho, o guanxi.
O guanxi também é uma estratégia usada cotidianamente para a resolução
de problemas, mas se diferencia do jeitinho em diversos aspectos,
principalmente porque o jeitinho não envolve relações previamente
existentes entre as pessoas ou a ação de qualquer mecanismo de
reciprocidade, como é o caso do guanxi.
O jeitinho pode ser entendido como um
tipo de ação visando obter benefício próprio ou a resolução de um
problema prático, fazendo uso de criatividade, cordialidade, engano e
outros processos sociais [1]. Tanto na antropologia quanto na
sociologia, o fenômeno do jeitinho brasileiro têm sido muito estudado e
enfatizado como um aspecto central da identidade cultural brasileira. O
símbolo do malandro, ilustrado pelo personagem de desenho Zé Carioca na imagem acima, captura a essência deste modo flexível, porém muitas vezes prejudicial a terceiros, de navegar socialmente.
Um problema enfrentado nas áreas que
tradicionalmente estudam o jeitinho é no seu próprio significado, pois
diversas definições costumaram capturar diferentes aspectos do jeitinho
sem fazer referência aos outros aspectos. Foi visando compreender de
maneira mais sistemática o jeitinho brasileiro que um grupo de
pesquisadores, incluindo vários brasileiros, publicou este ano um artigo
no Personality and Social Psychology Bulletin [1].
A separação destas três dimensões é útil
na medida em que estas dimensões se relacionam de maneira diferenciada
com outras variáveis psicológicas, e este foi um aspecto investigado em
um dos estudos da pesquisa. Este segundo estudo avaliou a relação entre o
jeitinho e outras variáveis psicológicas conhecidas, como a orientação
de dominância social, as atitudes morais e a percepção subjetiva e
intersubjetiva de normais sociais. A relação entre moralidade e
jeitinho é especialmente curiosa, pois alguns autores afirmam que a
prática generalizada do jeitinho cria condições para o estabelecimento
de um clima de cinismo e delinquência para julgar moralmente as ações
dos outros [1], além de modificar a maneira como atos morais são
julgados pelas pessoas. Nessa linha pensamento, os atos passariam a ser
mais julgados comparativamente a outros atos morais severos, e sendo
menos julgados por si mesmos.
Ou seja, a prática do jeitinho nos
encaminharia, ao longo do tempo, a julgar ações como estacionar em local
proibido ou furar uma fila como menos erradas ou merecedoras de punição
do que as ações de políticos corruptos, por exemplo, obtendo assim uma
“justificativa” para ações individuais que seriam muito mais amenas.
Em suma, a partir dos dados desta
pesquisa, o conceito de jeitinho brasileiro pode ser compreendido de
maneira mais clara e abrangente como uma estratégia geral de resolução
de problemas, gerados a partir de hierarquias e instituições
ineficientes, que envolve a criatividade, a corrupção ou a quebra de
normas sociais, comumente visando um benefício pessoal. Os dados desta
pesquisa apoiam a tese de que o jeitinho é um construto cultural
particular e complexo que se diferencia em aspectos cruciais de outros
construtos, como o guanxi, por exemplo. Ao mesmo tempo que o jeitinho
tem um caráter altamente adaptativo, pois se refere à flexibilidade
cognitiva dos indivíduos na resolução de problemas, ele também mostra
nossa o lado escuro da nossa criatividade para obter recursos de maneira
ilícita – que o digam as cuecas dos políticos envolvidos no mensalão. A
propósito, outro trabalho recente investigou este “lado escuro” da
criatividade [2], mas isso é uma história para outro dia!
Referências:
[1]
Ferreira MC, Fischer R, Porto JB, Pilati R, & Milfont TL (2012).
Unraveling the mystery of Brazilian jeitinho: A cultural exploration of
social norms. Personality & Social Psychology Bulletin, 38 (3), 331-44 PMID: 22143307
[2]Gino F, & Ariely D (2012). The dark side of creativity: Original thinkers can be more dishonest. Journal of Personality and Social Psychology, 102 (3), 445-59 PMID: 22121888
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